segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cariocas em (sem) Natal

Cariocas em (sem) Natal
Por: Claudio Fernando Ramos
No último sábado estive, em companhia da namorada, em dois ambientes, próprios da classe média natalense (ambos em Ponta Negra), que decidiram contratar bandas de pagode. Se o objetivo dos proprietários era angariar público, ótimo; pelo que vi esse objetivo vai para além do satisfatório; se juntamente com isso, desejava-se alegrar e entreter o público, excelente; as duas bandas fazem isso muito bem... Porém, algo me chamou a atenção.
Natal é uma bela cidade. Na minha modesta opinião, a mais bela de toda a Região Nordeste (só não é melhor por conta de um pequeno entrave: as poderosas oligarquias que tão tenazmente se revezam no poder, são afeitas aos sofismas), isso acaba por atrair moradores de várias partes do país para viverem nessa espécie de paraíso terrestre; os cariocas têm uma expressiva representação nesse particular. Essa significativa presença dos cariocas nessa cidade seria algo fantástico para todos, natalenses e cariocas, não fosse a hipocrisia desse “povo” da Região Sudeste (nesse particular incluo também os de São Paulo).
Todas às vezes em que troco ideias com esses “estrangeiros” eles se portam de forma dicotômica, ou seja, criticam a cultura nordestina (quando estão entre cariocas, principalmente quando acabam de chegar do Rio), mas fazem tudo semelhantemente aos nordestinos quando isso lhes é conveniente (principalmente no caso de alguns músicos do pagode).
Somos uma brava gente (o povo brasileiro), temos resistido, ao longo de toda história,  toda sorte de violência, exploração, omissões etc. Nossos grandes líderes “democratas” de hoje, no passado não muito distante, foram, com pouquíssimas exceções, todos amigos de caudilhos (chefes militares). Não precisamos de mais essa hipocrisia cultural. Para se tornar “famoso” ( entenda: arrebatadores de corações carentes) ou ter um pouco mais de dinheiro na conta (algo extremamente necessário para se viver, é fato), não se deve abandonar princípios. A grande mídia massifica os pensamentos, disso todos, com um mínimo de bom senso, já sabemos. Temos muito poucas opções, ou seja, para agradar, na maioria das vezes, temos que dançar conforme a música. Então por favor, não me venha com esses chiados exagerados, esses: e aí cumpade (ao invés de compadre), ou coisa que o valha.
No Novo Testamento o apostolo São Paulo exortou firmemente, aquele que os católicos dizem ter sido o primeiro papa (São Pedro) com as seguintes palavras: “Você é judeu, mas está vivendo como os pagãos e não como os judeus. Como pode, então, obrigar os pagãos a viverem como os judeus?” (Galatas 2.14) Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus – 1990. Sou carioca e gosto muito disso. Também gosto de viver nessa bela e receptiva cidade. Sei bem do que gosto e do que não gosto. Durante alguns anos, na condição de professor de três grandes escolas dessa cidade, sustentei posições, em sua maior parte, conflitante com o jeito manobrado da maioria (que nada falam de moto próprio, só optam pelo senso comum), mas sem nunca esquecer que existo em um Estado de direito e, por conseguinte, todos têm direito de escolher, mesmo que essas escolhas se dêem com cartas marcadas. Sei o quanto alguns ficam insatisfeito com o que escrevo; mas afirmo, faço-o na condição de fã, não de algoz. Ouço várias queixas das pessoas que gostam da boa música dos guetos carioca; algumas dizem: eu não vou mais lá (não conseguem explicitar isso para os músicos). Penso diferente; irei menos, mas ainda irei, serei otimista (ao menos nesse particular), talvez melhore, pior do que está não fica. Será Tiririca?
Milton Nascimento em uma de suas composições diz que nunca seremos uma grande nação, enquanto estivermos de frente para o mar, mas de costas para o interior. Se o que se gosta é tudo (axé, sertanejo, funk, pagode...), ou seja, algumas bandas não têm uma característica musical pré-definida; que tal assumir isso desde o início? Quem for lá já sabe, de antemão, o que estará passivo de ouvir, uma verdadeira salada musical: mambo, maxixe, salsa, vinagrete etc.  Agindo assim não se engana e nem se é enganado por ninguém, e o que é melhor: não se fará necessário dar satisfação a nenhum “fã” que se prontificar a segui-los e, que por hora, encontra-se decepcionado.
Cacau, Natal-RN 30/05/2011  
 

sábado, 28 de maio de 2011

CALCANHAR de AQUILES

Por: Claudio Fernando Ramos
Retornei, voltei a freqüentar o Buraco da Catita localizado na Ribeira, antigo centro da cidade do Natal. Esse retorno tem sido muito prazeroso, conheço esse espaço desde sua fundação. Porém não foi para falar sobre esse excepcional espaço cultural da cidade, se bem que ele por si só, merece linhas e linhas dos mais entusiasmado elogios, mas para tratar de um velho e malhado assunto: o samba.
Afinal, qual é o calcanhar de Aquiles do samba (nesse caso em especial ao falarmos sobre o samba, mesmo cônscio de suas singularidades, estaremos falando também sobre o pagode) em Natal? Desconfio que essa não seja uma pergunta tão simples de ser respondida. A dificuldade não reside no fato da resposta ter um teor acentuado de complexidade, e que por isso careceria de estudos e pesquisas profundas, nada disso. A ausência da simplicidade localiza-se na pluralidade, ou seja, são tantos os motivos e razões que não sabe-se como começar.
Abordarei um, dentre os vários existentes. Quem faz samba/pagode deveria, a rigor, gostar de samba/pagode. Em princípio, todos que lerem esse artigo ficarão desconfiados, mas ao fim creio que prevalecerá o bom senso. Um bom espaço para música, principalmente músicas com forte apelo étnico, como é o caso das músicas de grupos afro-descendentes, é aquele em que se possa ter contato, situação propícia para interagir,  manifestar carisma, ser espontâneo. Alguns organizadores do samba/pagode parecem desconhecer ou ignorar alguns princípios básicos do mundo dos negócios. Em espaços quase insalubres o que nos tem sido oferecido é o mínimo.
Os “empresários” desses espaços ficam envolto em ações administrativas (contando dinheiro, vendendo fichas, etc) e esquecem que seu maior patrimônio reside na satisfação de seus clientes (falar com eles, ouvi-los, sentir, na medida do possível, o que eles sentem).
 Mau atendimento (por incompetência, apatia (talvez) e, às vezes, por questões absurdas como ciúmes do cônjuge). Não separa-se, adequadamente, o pessoal do profissional (isso inclui também o uso indiscriminado de alucinógenos). Se a administração é tão importante, e de fato é, por que situações como: som ruim (qualidade do que se ouve e altura em que se ouve) e banheiros (horríveis tanto no jeito quanto na forma, principalmente para as mulheres) não melhoram? Não foram poucas às vezes em que tive que dividir esse espaço intimo com pessoas drogando-se, sem contar que não se pode lavar as mãos depois de qualquer ação.
O preço da cerveja vem sofrendo majorações na maioria dos espaços dedicados ao samba/pagode. Está cara? Nem tanto. Porém não é justo que ao cliente/consumidor, que parece significar coisa alguma,  não seja dada oportunidade de escolha de marca e, por conseguinte, de preço. Se no início paga-se R$ 3,00 por uma cerveja do tipo “A”, no final paga-se o mesmo valor por uma cerveja do tipo “B”, em razão da primeira ter acabado.
Quando haverá progresso de ideias e de ações para esses que fazem o samba/pagode em nossa cidade? Querer ganhar dinheiro, todos queremos, mas é preciso ter algumas outras coisas além da “ganância”.
Lendo a obra de Franco Cambi (A História da Pedagogia) aprendi que, na condição de professor, ensinar é, também, aprender. O Buraco da Catita não é paradigma de satisfação plena, mas sem nenhuma sombra de dúvida tem feito escola nessa cidade. E, se hoje eles podem ensinar como se faz com: humildade, qualidade, quantidade e competência, é porque nunca declinaram da alvissareira condição de eternos alunos.  
 Na obra de Homero, Ilíada, o Mito Grego narra que a morte de Aquiles, campeão dos gregos na luta contra os troianos, deu-se por um pequeno ponto de vulnerabilidade em sua armadura, o calcanhar. O samba clama por uma blindagem em Natal, uma nova armadura sem calcanhares letais.
Cacau, Natal-RN 28/05/2011